𐭅 ♡ㅤ،، Prólogo ◌⃪𝅭 ㅤ٫ ٫ꫂ ၴႅၴ
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◌𝆬 . 𝖲𝗍𝖺𝗋-𝖼𝗋𝗈𝗌𝗌𝖾𝖽 𝗅𝗈𝗏𝖾𝗋𝗌﹗
"Esses prazeres violentos têm fins violentos
E em seu triunfo morrem,
como fogo e pólvora,
Que, ao se beijarem, se consomem."
Assim diz Frei Lourenço, mas seu aviso chega tarde demais; Romeu e Julieta já estão em chamas fúnebres. Não só com amor; com algo mais antigo e mais perigoso: a centelha bruta da invenção. Pois, nos jovens amantes de Shakespeare, não testemunhamos apenas paixão; contemplamos o primeiro encantamento do dramaturgo sobre a vida interior. Antes que Hamlet questionasse o ser, antes que Lear bradasse contra a nefasta tempestade, havia Julieta, uma menina de treze anos, em sua sacada, recriando o universo com suas palavras.
Em "Romeu e Julieta", o amor não é algo que se descobre; é algo que se pronuncia em existência. A linguagem entre eles não descreve o amor; ela o constrói: metáfora, rima, ritmo... não são as decorações de um romance, mas sua semente. E tão logo brota essa semente! Com esse mesmo fogo poético que incendeia o mundo ao redor. Shakespeare cria, nessa tragédia precoce, uma Verona em que a paixão e a violência são estrelas gêmeas em órbita, em que a urgência febril da juventude é tanto um milagre quanto uma maldição. Este blog, querido(a) leitor(a), mergulha nessa atmosfera combustiva, cujas palavras geram almas e cujos beijos acendem pólvora. Sigamos, ora, o desabrochar de Julieta, a primeira invenção verdadeiramente humana de Shakespeare; escutemos os batimentos no pentâmetro, o sopro no verso branco; e lamentemos, com reverência, o destino dos amantes, não porque morreram cedo demais, mas porque, em seu amor, viveram demais.
𐭅 ♡ㅤ،، Capítulo I ◌⃪𝅭 ㅤ٫ ٫ꫂ ၴႅၴ
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O amor, em "Romeu e Julieta", não é um sentimento que amanhece; é um feitiço que se pronuncia. Romeu não se apaixona; ele verbaliza o amor até que ele exista. Julieta não cede o coração; ela o constrói, "tijolo-por-palavra", em diálogo, em hesitação, em verso. Shakespeare não apresenta o amor como um evento natural, mas como um feitiço verbal, uma coisa tornada real pelo ritmo da linguagem. O primeiro encontro deles, aquele instante sagrado no baile dos Capuletos, não é uma troca casual; é um soneto compartilhado: quatorze versos, rimas alternas, dístico final; os amantes compõem poesia como se por instinto, como se amar e criar arte fossem a mesma coisa. É coreografia sem ensaio, uma dança de mentes antes da dança dos corpos. Nesse soneto, Shakespeare nos permite ver o nascimento do amor não pelo olhar ou pelo toque, mas pela... fala.
Essa linguagem não decora a realidade; cria-a! Porque o amor deles não existe fora dos parâmetros da poesia. Até mesmo seus nomes, indícios de sangue, de família, fazem-se grilhões que precisam romper. O famoso clamor de Julieta — "Renega teu pai e recusa teu nome!" — não é só teimosia; é uma ação metafísica. Ela busca esvaziar a linguagem de seus significados herdados, fazer das palavras algo intrinsecamente seu, fazer do amor seu. Mas esse é um mundo, ora, cujos nomes importam. Um Capuleto e um Montecchio não podem simplesmente se declarar livres. A linguagem faz-se tanto a escada que os eleva ao amor quanto a corda que se aperta ao redor de seus pescoços. São personagens forjados na poesia, e por ela também perecerão. Suas últimas palavras, ditas sem força, na escuridão, não são escapismos; são elegias, escritas de antemão.
A genialidade shakespeariana, afinal, não está só na beleza de suas palavras, mas também em sua compreensão de que a linguagem é intrínseca ao destino. O soneto não é um floreio à existência; é sua profecia.
𐭅 ♡ㅤ،، Capítulo II ◌⃪𝅭 ㅤ٫ ٫ꫂ ၴႅၴ
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Ela surge na sacada não como uma menina, mas como um... cadinho; jovem, sim, mas lapidada em chamas. Se Romeu é o sonhador, à deriva na superfície de seus próprios devaneios, Julieta é a chama por baixo: tímida, até ser tocada, e então, subitamente, brilhante, viva. Nela, Shakespeare faz algo que ainda não havia: cria uma personagem com profundidade, com "vir-a-ser", com o toque dolorido da interioridade. Julieta é sua primeiríssima alma.
Seus discursos não são pedaços de pensamentos alheios; são o som do pensamento que desabrocha. Quando diz "Ó, Romeu, Romeu, por que és tu Romeu?", não pergunta onde está ele, mas por quê. Por que a linguagem trai o amor? Por que os nomes pesam mais que os corpos e os corações? Aqui, temos razão, como Shakespeare, em determo-nos, pois há mais do que uma jovem apaixonada à nossa frente; há um ser humano em conflito com o funcionamento do mundo.
Romeu oscila entre posturas, entre o amante melancólico, o amigo vingativo, o esposo devoto, mas Julieta evolui. Ela cresce. Ela questiona. Ela ousa. No espaço de quatro atos, torna-se filósofa, estrategista, esposa e mártir. Sua agência não é reativa, mas revolucionária. Ao tomar a poção, não se entrega; escreve. Reescreve o roteiro que o destino lhe entregou, mesmo que a página final esteja manchada de sangue. Não por acaso, algumas de suas falas mais pungentes são ditas a sós; o solilóquio faz-se seu santuário, seu laboratório. Nesses versos, vemos nascer algo que se espalhará por toda a obra de Shakespeare: o eu que fala consigo mesmo. Hamlet virá depois, Lear gritará aos céus, mas Julieta, aos treze anos, já está lá, à beira da morte, murmurando não medo, porém pensamento.
Ela não é só a metade de um par trágico. Ela é o coração inquieto da tragédia. Quando se vai, não é apenas o amor que perece, mas a possibilidade. Julieta, a primeira alma, ensina-nos que ser humano é falar, escolher, ousar, ainda que o mundo seja pequeno demais para tanto florescer.
𐭅 ♡ㅤ،، Capítulo III ◌⃪𝅭 ㅤ٫ ٫ꫂ ၴႅၴ
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Em Verona, o amor não é labareda gentil! É labareda que devora tudo o que toca. O mundo em que nascem Romeu e Julieta não separa afeto de agressão; une-os. A paixão, nessa cidade, é faca de dois gumes: seduz... e fere.
As ruas não se movem com a canção, mas com o ferro, a pólvora, o escárnio. O próprio ar parece carregado de rancor, como se o ódio fosse um segundo oxigênio aos seus transeuntes. Do tumulto inicial ao último suspiro, Montecchios e Capuletos se definem pela adversidade. Em um clima desses, amar é um ato de violência. Quando Romeu e Julieta se apaixonam, não o fazem em negação à situação, mas dentro dela, gerados pela mesma febre que dilacera Mercúrio e Teobaldo. Mercúrio, de língua afiada e espírito febril, é a dobradiça entre esses dois mundos; sua morte é o ponto de inflexão, a máscara cômica se partindo. Com sua maldição — "Uma praga para ambas as casas" —, ele nomeia a doença: uma cidade cujo amor não pode viver sem sangue. Romeu, consumido pela dor e pela fúria, responde não com a poesia, mas com a lâmina; o mesmo homem que compunha sonetos agora entrega a morte. E, com isso, sela o seu destino e o de Julieta.
A violência, na peça, não é acidental; é cultural. As famílias não estão só em desavença; elas não podem se desgrudar. Cada ato de amor é seguido por um de ódio: o casamento secreto é seguido pelo homicídio público; o voto de união engendra a separação; até o túmulo, planejado para preservar Julieta no sono, finda-se em sua sepultura. O que Shakespeare constrói aqui é uma realidade em que o amor e a violência são gêmeos, inseparáveis e insaciáveis. A tragédia dos amantes não é só morrerem, mas precisarem morrer. Verona não traz alegria discreta, florescer meigo; ela exige espetáculo; exige teatro. Portanto, o amor responde à violência não com recuo, porém com intensidade. Brilha mais forte, mais intenso, porque sabe que não durará.
Nessa história de sangue e desejo, Shakespeare encena mais que um romance; encena um acerto de contas: quando o desejo nasce em um mundo de espadas, quanto tempo pode viver antes de ferir ou ser brutalmente ferido?
𐭅 ♡ㅤ،، Capítulo IV ◌⃪𝅭 ㅤ٫ ٫ꫂ ၴႅၴ
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O tempo, na peça, não se mede em dias; mede-se em batimentos do coração; em olhares enérgicos; em falas melancólicas. O amor deles não se desenrola; ele explode. Em cinco atos, eles se conhecem, casam-se, separam-se e... morrem! Não porque sejam tolos, mas porque são jovens, e Shakespeare sabe que ser jovem é viver dentro de um redemoinho.
Há uma urgência sem fôlego em tudo o que fazem. Romeu fala em crescentes, sempre explosivo; Julieta conta os minutos como se fossem velas se consumindo. O tempo parece distorto, dobrado à vontade da paixão adolescente. É essa pressa, mais do que o destino, que move a tragédia. Eles não esperam, porque não podem. A juventude não conhece paciência, só possibilidade, e o perigo mora nessa possibilidade. Shakespeare, no entanto, não os ridiculariza; reverencia-os: capta, com dolorosa sinceridade, como o amor jovem soa uma eternidade contida em um instante. Os solilóquios de Julieta vibram entre a esperança e o pavor; os lamentos de Romeu são os primeiros esboços do bardo sobre uma mente afogada pela emoção. Suas decisões, impensadas para os olhos adultos, não nascem da imprudência; nascem da totalidade. Quando se é jovem e se ama, não há meio-termo: cada palavra, cada toque, cada promessa é o mundo inteiro.
Mas é precisamente essa intensidade, também, que torna os amantes frágeis; como vidro aquecido depressa demais, racham sob a pressão. A própria pureza de seus sentimentos os condena. Quando Julieta desperta e encontra Romeu morto, não há pausa para o luto; sua mão busca a adaga como se o amor a tivesse ensinado a morrer.
Em Shakespeare, a juventude é chama e pavio. Dá ao amor sua luz e seu limite. A tragédia não está só em serem jovens; está no mundo não poder conter tanta juventude: Verona é velha demais, rígida demais, presa a nomes e a rancores. Os jovens devem, enfim, perecer, não por estarem errados, mas por serem certos demais, intensos demais, verdadeiros demais para um mundo que prefere o cálculo à coragem.
Aqui, Shakespeare lamenta não só suas mortes, mas o que elas significam a nós, espectadores: o preço de sentir demais em um mundo que valoriza mais o medo do que o fervor.
𐭅 ♡ㅤ،، Epílogo ◌⃪𝅭 ㅤ٫ ٫ꫂ ၴႅၴ
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Jazem, ao fim, quietos, soterrados em seus próprios destinos. Vozes que ficam pelos pedregulhos da Itália, pelos anos de recontos, pelo âmago da própria tragédia. Os amantes não se vão; são transformados; em arquétipos, advertências, maravilhas; a tragédia os eterniza.
Shakespeare, ao encenar sua questão, não lamenta só a juventude que se perdera; realiza um ato de criação: duas pessoas; duas almas. Seres que vivem unica e inteiramente por meio da linguagem, da emoção, da vontade. Não são trágicos porque morrem; são porque se tornam. Neles, finalmente, o bardo faz dos personagens não máscaras, mas reflexos: de nossos próprios anseios, de nossos medos, de nosso efêmero e furioso desejo por sentido. Julieta, que ousa amar contra seu sangue e que quer esquecer seu nome. Romeu, que prefere morrer a viver seus desejos pela metade. Juntos, aquecem um mundo frio demais para ar sua chama. Não se apagam com complacência. Brilham e ardem, feito cometas que o céu de Verona cortam. Em seus restos, algo fica: a forma da alma moderna.
O amor, nas mãos de Shakespeare, não é gentil. É violento, lírico, até mesmo sublime. Ele cria, fere, revela. E, aqui, faz tudo isso ao mesmo tempo. Essa é a tragédia, não só de dois amantes, mas do próprio amor, em uma realidade ainda despreparada para acolher tamanha luz.
Eles são pó agora, sim. Mas também estrelas. E de seu breve e ofuscante brilho, Shakespeare forjou a primeira constelação da humanidade.
— Referências
I. "Shakespeare: The Invention of the Human", de Harold Bloom — essencialmente, o capítulo 8;
II. "Will in the World: How Shakespeare Became Shakespeare", de Stephen Greenblatt;
III. "The Art of Shakespeare’s Sonnets", de Helen Vendler;
IV. "Shakespeare and the Shapes of Time", de David Scott Kastan;
V. "Romeu e Julieta", de William Shakespeare, é claro.
ᥤᥱຣː 𓂃 ⋆ ࣪. ᓚᘏᗢ



Comments (10)
Sei não ainda prefiro a versão dos gnomo
:warning:
Finalmente posso desfrutar da leitura dos belos contos do meu amigo no meu tempo livre, porque, agora, eu tenho um tempo livre, coisa que certos ambientes aí não estavam me proporcionando hihihi
que Deus abençoe nossa aposentadoria
Perfezionato! Molto bello, feliz
A antiga paixão, em suas últimas convulsões, é ameaçada pelo novo amor que já deseja ocupar seu lugar. A beleza pela qual Romeu lutava ao lado de Julieta já não brilha como antes. Agora, ele, que ama novamente, se vê preso à aparência, enquanto ela, a quem antes odiava, transforma seu rancor em um doce amor. A Romeu, seu inimigo, é negada a liberdade de professar os sinceros votos do amor, e a ela, consumida pela paixão, é negada a chance de encontrá-lo, não importa onde. Contudo, essa paixão avassaladora os impulsiona a superar os obstáculos, misturando o risco ao prazer.
prazer e risco são indissociáveis em shakespeare. afinal, é no abismo entre o beijo e a lâmina - o que chamaríamos de risco - que o amor nasce em verona: e amar, pra romeu e pra julieta, é ir até o fim - da noite, do nome e, claro, da vida.
a beleza é só mais uma das criaturas da linguagem. todo ódio pode virar ternura; toda guerra de nomes pode suplicar por anonimato. uma peça linda.
grazie mille, rivotril! por ler e por comentar
Eita
eita...
Calma
— disse psicose